quarta-feira, 30 de setembro de 2009


"Me dá mais um". Era a frase repetida sempre que terminava de ingerir mais um comprimido. "Só mais esse, é o último, prometo". Mas não era o último. Nem na sua imaginação nem na mesinha de centro da sua, velha e conhecida, casa. Chamou alguém pra lhe acompanhar, não na sua loucura, apenas pra vigiá-lo, talvez nem vigiá-lo, porque os vigias não apenas observam, tentam impedir que algo de errado se concretize. Era uma testemunha ocular. Um amigo, uma parceira, sua mãe, alguém da família, apenas um conhecido. Queria apenas alguém que pudesse olhar e não falasse nada, nada. Não precisava de julgamentos e lições de moral naquele momento. Não queria ouvir uma palavra sequer de repreensão. Já ouvira várias durante sua curta temporada nesse lugar que nomeiam Terra. "Quarenta e cinco". Contava cada vez que engolia o próximo. Com uma cara de desaprovação e ao mesmo tempo de medo e pena, seu acompanhante andava de um lado para o outro. Estava impaciente. Não queria ser culpado por nada, mas estava olhando tudo, era cúmplice. "Sessenta e cinco. Acabou". Agora, na sua cabeça, imaginava tudo de forma bela, totalmente diferente do que uma pessoa normal faria (afinal, nunca fora e não era agora que pretendia ser alguém normal). Imaginou que, para cada comprimido que ingeriu, estivesse ingerindo, também, a cura para algum dos problemas que o afligiam. Meia hora. Uma hora. Duas horas. Ao término de exatamente seis horas, conseguiu levantar-se e contemplou a mesma sala e a mesma pessoa que lá estavam antes de cair no sono. Sentia-se melhor, pegou o casaco (fazia um frio incomum naquele dia) e jogou as chaves para o seu acompanhante.

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